domingo, 29 de junho de 2008

avesso

não me deixe ir, preciso ficar
ficar aqui para me perder
chorar para não rir

quero assistir ao sol se pôr
ver a aguá parada de um lago
e os pássaros calados
quero morrer, padecer

niguém vai por mim perguntar
mas não diga que eu vou ficar
ficar para me perder
"[...]
Sei que cantar-te assim é não cantar-te - mas que importa?
Sei que é cantar tudo, mas cantar tudo é cantar-te,
Se que é cantar-me a mim - mas carta-me a mim é catar-te a ti
Sei que dizer que não posso cantar é cantar-te, Walt, ainda..."

Álvaro de Campos

Embala a dor do despeito na ação de me fazer suspeito de gostar de ti
Mas não ranque a esperança do meio peito
Nem atire pedra contra esse sujeito
Que ainda pode te fazer feliz...

sexta-feira, 27 de junho de 2008

atmosfera

no andâime da pia
um pequeno copo

com água
reflete
a luz do sol

da tarde
em seu início

A luz cruel do estio prematuro
Sai como um grito do ar de primavera...
Meus olhos ardem-me como se viesse da Noite...
Meu cérebro está tonto, como se eu quisesse justiça...
Contra a luz crua todas as formas são silhuetas.
Álvaro de Campos (14/04/1929)

quinta-feira, 26 de junho de 2008

há ainda em mim um pouco de "cada" ti que abracei e depois me despedi
há em mim os traços severos da completude que existia
quando, pelas tardes frias, entoávamos um mantra em silêncio

penso onde está a sua boca que pronunciava o acaso
se era realmente comigo que falava
ou se era pura demagogia que espalhava na sala e eu catava
como as contas de um colar partido

como antes, não terei suas respostas, nem seu sim ou não
mesmo porque estou distante agora
em corpo físico e em mente desvanecida
mas, se ao menos me desse um sinal de fumaça
seria um pouco mais alegre
mesmo que esse sinal passasse rápido
mesmo que fosse para dizer:
foi bom, mas ficou tarde...
o silêncio da casa na madrugada
assusta minha consciência...
terei de ouvir meus desabafos
fazer minha narrativa
de auto-piedade

terça-feira, 24 de junho de 2008

Um romance é umahistória do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.
(Bernardo Soares IN L. do D.)
Há em cada um
Suas conquistas
Alguns de palavras faladas
Outros, de palavras escritas

Se, por algum acaso
Eu não falar contigo
Na mesa do bar
Ou em serviço
Não ligue
Tão pouco me recrimine

Saiba, que em surdina
Escrevo alguma coisa
Que se chama poesia

sexta-feira, 20 de junho de 2008

insignificante

boca suja dos restos
das carnes humanas
mastigadas
pela indolência
do mundo

do mundo?
Do mundo?

Ah! não é do mundo
a indolência é minha
é sua
é nossa
é daquele outro
ostentador das Verdades
e da Ganância
da Grana
da deslealdade
como se Deus
desse a eles e a nós
o Poder de Dizer
o que é Certo
e errado
o que é Branco
e preto
o que é Cristão
e herege
é o que é Hétero
e o que é homo

a quem queremos enganar?
Oh! santa ignorância
dos sábios insignificantes

nossas bocas com os restos
das carnes dos nossos escravos
do cotidiano, do consumo
da Lei cravada na garganta
que diz:
aqui não, violão!
Aqui é o espaço dos Bons
Dos Justos, dos Elevados
Dos Donos das Fábricas
Dos Donos da Esperança
Dos Donos da Vitória
Dos Bem Sucedidos
Dos Cavaleiros Patrícios
Dos Donos da Pátria!

Ai de quem invadir nosso espaço
Com a sua cor diferente
Com seu jeito e gestos diferentes
Com o Verbo diferente
Ai de quem não assumir
A Felicidade pela Imagem
Da Felicidade que se compra
Nos Hiper-Aglomerados
Ou mesmo que se compra
Na Micro-Loja de grife
De estirpe assassina

Restos de carne dos nossos escravos
Em nossas bocas sedentas
Por satisfazer nossos caprichos
Nossas Vaidades dementes
Nossos Vícios incontroláveis
Nosso Ego Superior
Eu! Eu! Eu é que sei o que é
Eu! Eu! Eu é que tenho razão
Eu sei por que Eu sofro
Eu tenho que ter o Amor
Do meu outro Eu
Eu tenho que ter
Não importa o outro, não
O que importa sou Eu!

Podemos fingir, podemos sim
Podemos nos fantasiar e sair
Mas cala essa tua boca
Insignificante!
Cala a tua boca suja de sangue
Cala a tua boca, camarada
Cala e vê se te olha
Cala-te boca e morre
Cala a tua latência que mata
Cala o teu sorriso falso
Cala o teu latim Altivo
Cala o teu sonho mesquinho
Cala o teu choro fingido
Cala o teu corpo em chamas
Cala a tua alma condenada
Cala o teu livre arbítrio
Cala a tua Vontade
Cala-te
Antes que seja tarde...
pense: o que faz diferença?
Ego que não me entende...

Faz diferença a chuva ou o sol?
ou apenas o vício de ser
o que se conseguiu ser
e sustentar o vício
com a estupidez da alma?

preze o zelo
ainda escuta o tempo
batendo no teu rosto
toda manhã
em frente ao espelho

o que faz a diferença?
ser bruto e lapidado
lápide do túmulo
insensato e santo
profano e humano

fica um pouco do pó
de ontem
de hoje
no vinco do amanhã
Até aqui houve um certo de ar de
“deixa isso como está”

mas, não dá mais para deixar, não!
é urgente que as máscaras
se descolem da pele
e apareça o monstro

não que não há saída
até há...
depois da esquina
depois do tumulto
depois de falar e julgar
o eterno humano
que existe
em cada bicho

o que acontece
é que fácil ser dócil
com o próximo distante
o difícil mesmo
é lidar com
o próximo próximo
inclusive
conosco mesmo

domingo, 8 de junho de 2008

"[...]
Pois fico só e cabisbaixo, inerme,
A noite andar-me na cabeça, em roda,
Mais humilhado que um mendigo, um verme...
[...]" Cruz e Sousa

Temo que seja, então
Algo do tipo: ou vai ou vai
E se fica, aí complica!

Ai, que tamanho de mundo vasto,
Não Raimundo?
E ainda há muita coisa em cima da mesa
Dentro do armário
Por debaixo dos lençóis
Das Estrelas da Manhã...

Gostaria de tomar alguma coisa?
Tipo, vergonha na cara?
Gostaria de oscular meu ócio?
Gostaria de re-ler esse poema
Quando chegar ao fim?

Mas, pouco importa
Essas perguntas infantis
O que importa mesmo
É que o está escrito
Em vermelho
Nas costas dos outros
"[...]
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
[...]"

Augusto dos Anjos
Resta-nos tão pouco tempo
E o tempo nos consome...
Deixaremos queimar
Insanos nosso desejo
Como se nada ou ninguém
Soubesse da existência dele?

Há que se querer lutar!
Então, para quê fugir
Sem ao menos tentar?
Deixe a porta aberta
A luz acesa
O telefone no gancho

Deixe espaço para esperança
Depois da chuva
Depois do banho
Depois do amanhecer
Na cadência de um encontro
Remoto que seja
Mas íntegro e verdadeiro

Se nos resta tão pouco tempo
Para que desperdiçá-lo
Em controvérsias e desapegos?
Temos mais é querer
Sentir o amálgama de nossos sonhos
Na mistura lasciva de um beijo

Além disso, pouco nos resta
Então, é hora...

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Não sei se sou eu o irresponsável, se sou eu o ingênuo, se sou eu o errado. Sei que minha voz quer dizer algo que pode mesmo ser efêmero, tópico, mesquinho, mas que não faz de mim um descompromissado. Meu compromisso muito pode ser egoísta, mas vejo nele uma possibilidade de ação. E de que valeria se lutasse com o coração de luto? Prefiro minha batalha com meu coração sangrando. Não sei se isto é lá grande coisa, mas peço perdão pela minha ingenuidade, tão difamada nestes tempos de intensa crise. Sou fruto daquela semente que plantaram. Incoerente no exercício de minha prática, inconstante nos desejos, rebelde e imaturo. Sou fruto da árvore podre, se bem querem assim dizer. Mas mesmo os frutos podres servem para alimentar os vermes e os insetos. Se não me ponho enquanto fruto polido, que alimenta a boca daqueles sábios, é porque prefiro a mordida dos subalternos e, conseqüentemente, a dor dos desfarrapados. E há quem diga que eles não conhecem o ócio e a poesia. Mas, eu me pergunto: quem decreta uma lei tão severa?
Sigo no RUMO, lento e frouxo. SONOLÊNCIA em um dia nublado. Mas meu corpo AINDA sente a presença da vida. Um bocejo me INVADE como desejo de paz. Se LÁ fora tudo se determina, aqui dentro JAZ uma mente em conflito.

aliteração

essa sensação
de não estar são
sustenta meu ócio


mas sempre que posso
me distraiu e faço
em breves compassos
alguma composição


como de costume
não encontro o som
e pasmo diante
dessas loucas repetições

terça-feira, 3 de junho de 2008

pedras no caminho
ah! quem as colocou aqui?

Deus? Destino?

não...
Eu mesmo

e hei de retirá-las
sozinho também!

Palavras escritas

Há folhas em branco
A serem preenchidas
De palavras que são
Tecnologias!

Mundo escrito
É mundo habitado
Mundo falado
É Mundo profano
Mundo cantado
É escória amarga
Do Tempo...

Ah! Palavras que me velam
Que me trazem a necessidade
De Ser Gente e consumir
Palavras que ferem o estatuto
Do comum e do singelo
Porque palavras são complicadas
Palavras exprimem gestos
São palavras de protesto

Habitar a folha em branco
A vida transparente
Do vidro...

Palavras escritas a ferro
Na democracia
Na burocracia
Na Lei, na escola
Palavras que segregam
Os que sabem, dos que
Não sabem...
A Palavra de Ordem escrita:
Analfabeto!

segunda-feira, 2 de junho de 2008

nunca é tarde, nem cedo, para sonhar
sonho é vida, sangue na veia
realidade

não há o aquém do sonho
nem o além da verdade
há o que existe de vontande
daquilo que faz bem
para o coração
e para alma!

é melhor, assim
ter um estoque de sonhos
do que ter nenhum

quem tolhe a esperança
de si, do outro, da vida
não pode estar certo
isso é descabível

grande, pequeno ou médio
o sonho não existe
para ser deixado quieto
sonho é movimento
é criação, imagição
liberdade!
equanto houver sonho
vai haver dignidade!

grite seus sonhos!
não se acanhe
diante de algum destino
imposto

mas inclua nos seus sonhos
os sonhos dos outros
de bom gosto