quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Pensamentos

a Álvaro de Campos, em exercício de aproximação

Meus pensamentos não tem começo nem fim
Se anulam na fumaça leve
Que baforo pela janela
Se perdem no ar rarefeito
Depois da chuva de verão

Pensamentos todos eles vagos
Engatados em versos inconclusos
Seguem entre a esquerda e direita
Do parapeito empoeirado

Meus pensamentos de palavras
Com sentidos inaudíveis para os mortais
Que constroem os concretos
Das paredes das casas e dos prédios

E pelas horas imortais dessas horas
Vivificam sem mais voltarem
Um absurdo de necessidade
Um abismo em que me enterro

Ah! Pensamentos frouxos e pela metade
Que não seguram nem a mim, nem a ti...
Sobre qualquer ato que me parta o coração
Na sombria solidão do meu ser
Eles ficam a mercê do além
Que nunca chega por completo

E distantes levados pela brisa
Percorrem lugares infindos
De outras tempestades ameaçadoras
De outros colos nunca beijados
De outros portos esquecidos...

E nesses vagos pensamentos
Me animo sempre a dizê-los
Pelo oposto do que significam!
Ah! Tantos eles dariam uma tese
E salvariam o mundo!
Mas ficam na esquina da casa
A espreita de não se exporem
Mais do que deveriam

Nessas horas nem tento mais dizê-los
Pois me tomam como saudade
Como coisas que ainda não vivi
Sendo inútil qualquer explanação
Sendo vil suas cadências
Profanos, místicos, vulgares...
Temo apenas a senti-los
Mais do que posso!

E quando em mim invade
Uma idéia que julgo fixa
Desmantela-se com afinco
Minhas certezas de outrora
E já não sei se vale a pena
Dizer os fatos do cotidiano
Como fazem com louvor os jornalistas

Não! Deixo apenas em pensamento
Tudo aquilo que fiz ou vou fazer
Deixo em suspenso meus devaneios
Minhas vontades e receios
E calo num silêncio louco
Que de tão forte
Temo que nunca mais irei falar

É pouco, na verdade, o que sinto
Pois se fosse muito
Há tempos já teria morrido

E de pensar que já sustentei
Um discurso em público
Rubra a minha face
Acelera meu coração

Ah! Dor de pensar
Dor de sentir as palavras
Brotando inúmeras
Mas sem nunca poder dizê-las
Como deveriam ser ditas

E já cansado sofro as penúrias
Disformes dos bravos em desatino
Deito-me a contragosto
Na cama amanhecida
E fico lá comigo
Apenas comigo

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